Humanidades

Documenta¡rio mostra a vida do “homem de ação” Paul Singer
Filme de Ugo Giorgetti traz narrativa la­mpida baseada em depoimento do professor da USP, morto em 2018
Por Luiz Prado - 23/04/2021


O professor da USP éo foco do documenta¡rio Paul Singer: Uma Utopia Militante osFoto: Wikimedia Commons
 
Paul Singer: Uma Utopia Militante confia sua força no pra³prio vigor do testemunho biogra¡fico de seu protagonista. Como a espinha dorsal do documenta¡rio, o relato cru de Singer, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP falecido em 2018, ganha o espectador pela clareza da apresentação e a personalidade discreta do narrador.

Podemos dizer que as mesmas qualidades se replicam no filme como um todo, criando uma espanãcie de fractal. Isso graças ao aporte dos maºltiplos depoimentos que, para seguir na analogia osteola³gica, funcionam como as vanãrtebras que vão juntar-se ao longo do relato tecido por Singer sobre a própria existaªncia.

Nãohámalabarismos na direção de Ugo Giorgetti: Singer relembra, participantes da sua vida o relembram e imagens nos ajudam a relembrar. “O filme éuma aula antiga”, comenta Giorgetti com exclusividade para o Jornal da USP. Sua intenção foi realizar um documenta¡rio fiel não apenas ao seu personagem, mas ao racioca­nio de Singer, uma reunia£o de clareza, educação e discrição, conforme aponta o diretor.

De maneira cronola³gica, conhecemos a infa¢ncia em Viena, a fuga do nazismo e a chegada ao Brasil, o envolvimento com a organização sionista Dror, o ingresso no mundo do trabalho como opera¡rio e a atuação sindical coroada pela greve de 1953. Temos depois o ingresso na USP e a participação no lenda¡rio grupo de estudos sobre O Capital, de Karl Marx, que reuniu gente como Fernando Henrique Cardoso, JoséArthur Giannotti e Michel La¶wy. Daa­ passamos para as origens do Partido dos Trabalhadores (PT), a atuação de Singer como secreta¡rio de Planejamento de Sa£o Paulo, na gestãoda prefeita Luiza Erundina, e seus esforços na economia solida¡ria, da qual foi secreta¡rio nacional na era Lula.

Apoiando o depoimento de Singer, outros personagens se revezam, alargando a compreensão da trajeta³ria do professor: integrantes do Dror, sindicalistas da greve de 1953, Giannotti, La¶wy, Delfim Netto, Eduardo Suplicy, Luiza Erundina, Lenina Pomeranz, Lisete Arelaro e os filhos Andranã, Suzana e Helena. A cada estação de sua vida, vemos como mais e mais pessoas entram na a³rbita das ideias e das prática s do militante. Giorgetti chama esse fluxo que conduz o filme de “movimentos do pensamento”.

Democracia levada ao limite

A proposta de levar a vida de Singer a s telas chegou atéGiorgetti atravanãs de Marcos Barreto e Fernando Kleiman, ex-colaboradores do professor. O material apresentado pela dupla osuma simples entrevista de Singer osfascinou o diretor, sobretudo pelas ideias políticas ali expressas. “As ideias políticas dele se aproximam muito das minhas”, comenta.

“Ele foi um socialista pra³ximo da social-democracia e isso me interessa muito”, continua Giorgetti, para quem Singer pode ser considerado um homem de ação que procurou fazer o possí­vel, sem guiar-se por uma utopia, enquanto levava ao limite a ideia de democracia. “a‰ uma coisa que veio da Revolução Francesa: igualdade, fraternidade e liberdade. Se vocênão tem uma das três, vocênão édemocrata e também não éde esquerda. Porque a esquerda éisso oslevar a democracia ao seu limite.”

De acordo com Giorgetti, a produção do filme começou quando Singer ainda estava vivo, mas já bastante debilitado (a entrevista central do documenta¡rio foi gravada anteriormente, em Brasa­lia, e o diretor selecionou trechos para montar a obra). O financiamento veio atravanãs de crowdfunding, uma novidade para Giorgetti e outra sugestãoda dupla Barreto e Kleiman. Foram arrecadados R$ 130 mil, quantia expressiva, segundo o diretor, mas insuficiente.

“Com essa quantia a gente filma, mas não termina”, teria dito para a equipe durante a produção. Seja por azar, mudança no vendaval pola­tico ou sincronias do destino, o projeto também não conseguiu ser aceito em nenhum edital, levando o trabalho a se tornar uma espanãcie de exemplo de economia solida¡ria. “Eu nunca deixei um filme sem acabar”, explica Giorgetti. “Isso éhonra pessoal.” A solução foi reunir amigos de longa data para terminar o filme, com todo mundo trabalhando de graça.

Já com o documenta¡rio finalizado, nos tempos da pandemia, um dos amigos procurados por Giorgetti foi Amir Labaki, idealizador do festival a‰ Tudo Verdade. Exibido na edição virtual do evento, o filme foi um sucesso. Esperavam-se 2 mil visualizações em uma semana. Foram 4 mil em dois dias. O filme agora aguarda negociações com emissoras de tevaª e servia§os de streaming para chegar ao grande paºblico.

Um documenta¡rio que instiga documenta¡rios

Giorgetti define o filme como “um espeta¡culo de inteligaªncia, não de ação”. E o que vemos em seus 57 minutos éuma parte pequena do que as lentes do diretor registraram. O precioso material excedente ostrechos não utilizados da fala de Singer e horas de gravação com os entrevistados ossera¡ disponibilizado no site da sua produtora, a SP Filmes, promete Giorgetti.

Além desse conteaºdo palpa¡vel, existe um outro, potencial, que ele enxerga na obra. “Uma das qualidades desse filme éo fato de ele induzir vocêa fazer outros documenta¡rios: existe ali possibilidade de uns quatro ou cinco”, sugere. A greve de 1953, a história do Dror, o socialismo cata³lico, a gestãode Luiza Erundina em Sa£o Paulo, a economia solida¡ria e a leitura de O Capital na USP são alguns dos temas com os quais Giorgetti atia§a outros realizadores.

De sua parte, um assunto que toca o diretor aparece de maneira lateral no filme: éa história da própria Universidade de Sa£o Paulo. “Eu tenho a ambição de fazer um documenta¡rio sobre a USP dos anos 1950, nas ciências humanas”, revela, referindo-se ao período relativamente discreto, anterior a s convulsaµes da década de 1960 e aos conflitos pola­ticos em torno da Rua Maria Antonia, no centro de Sa£o Paulo, onde se localizava a canãlebre Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL). “Sobre a USP de que ninguanãm fala”, arremata.

 

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